7-7-2009
ANTÓNIO DE ALBUQUERQUE COELHO
(1682 – 1745)
António de Albuquerque Coelho ocupou cargos importantes no Império Colonial, tendo sido Governador de Macau e depois de Timor. Mas não seria certamente tão conhecido se um seu subordinado, o Capitão João Tavares de Velez Guerreiro, não tivesse escrito um livrinho, descrevendo a viagem aventurosa feita por ambos desde Goa até Macau, que durou exactamente um ano, de 30 de Maio de 1717 a 29 de Maio de 1718. Abaixo indico as três edições que o livro teve, a mais moderna em 1905, com uma longa carta-prefácio de João Feliciano Marques Pereira, em homenagem a seu pai, António Feliciano Marques Pereira que desempenhara funções administrativas e diplomáticas em Macau e noutras partes do Oriente. Infelizmente, não existe nenhuma edição mais moderna desta “Jornada, que Antonio de Albuquerque Coelho, Governador e Capitão General da Cidade do Nome de Deos de Macao na China, fez de Goa até chegar à dita cidade no anno de 1718”. Sobre a vida dele, foi publicada uma muito completa tese de mestrado de Paulo Miguel Andrade da Cruz Martins, indicada na bibliografia, que inclui o resumo do livro; desta tese, me servi bastante para escrever este pequeno texto.
Era ele natural do Brasil, da vila de Santa Cruz de Macuttá no Maranhão, e filho de António de Albuquerque Coelho de Carvalho, do seio de uma respeitável família que ocupou cargos importantes no Brasil colonial. Seu pai, nascido em 1655, foi nomeado Capitão-mor do Pará em 1688, Capitão-mor do Maranhão em 1690. Tendo adoecido de febres, voltou ao Reino (onde tinha nascido) em 1701 e desempenhou na Metrópole vários cargos: alcaide-mor de Sines, Governador da Beira Baixa e mais tarde Governador de Olivença. Em 1709, regressou ao Brasil, por ter sido nomeado Governador-Geral do Rio de Janeiro e depois Governador de S. Paulo. Tendo sido menos feliz neste último cargo, veio para a Metrópole, onde ficou até ser nomeado Governador de Angola em 1722, vindo a falecer em Luanda três anos depois. Casou, tendo do casamento um único filho legítimo, Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho.
Por sua vez, António de Albuquerque Coelho havia nascido em 1682, fruto de uma relação ocasional de seu pai com Ângela de Bairros ou de Azevedo, filha de Manuel da Matta e Bairros e de Maria de Azevedo, naturais de Pernambuco e moradores no presídio da Garupa. O pai dela era filho de branco e de preta de Angola e a mãe filha de mulato e de índia da terra. Era pois mestiço, com tudo o que isso nessa altura significava.
A certa altura, possivelmente ao entrar na adolescência, António de Albuquerque Coelho foi mandado para a Metrópole, onde, sem dúvida, fez alguns estudos.
O seu pai moveu certamente influências e por Alvará de 10 de Março de 1700, foi nomeado fidalgo cavaleiro da Casa Real, com 300 réis de moradia por mês e um alqueire de cevada por dia; e ainda 38$000 réis de tença por ter sido nomeado para receber o Hábito da Ordem de Cristo, na condição de partir para a Índia. Só porém, em 1719, é que conseguiu o título de Cavaleiro, após a intercessão junto do Rei de um seu tio, o Padre Feliciano Coelho. O facto de ser mestiço constituía um obstáculo difícil de vencer.
Embarcou ele para a Índia a 25 de Março de 1700 na nau S. Pedro Gonçalves, que chegou a Goa a 12 de Setembro do mesmo ano.
Ocupou os postos de Tenente de mar e guerra e Capitão de Infantaria do Terço do Estado, com “folha limpa”, como se costuma dizer.
Em 1708, embarcou como Capitão de Infantaria da guarnição da fragata Nossa Senhora das Neves, que partiu para Macau, onde chegou a 23 de Agosto do mesmo ano, quase destruída, sem mastros e sem leme; ali ficou para ser concertada, o que durou cerca de dois anos. Na mesma fragata vinham o tenente Dom (por ser fidalgo) Henrique de Noronha e Francisco Xavier Doutel, que pouco depois seriam grandes inimigos de Albuquerque Coelho.
Aconteceu então um episódio que marcou profundamente a vida dele. Deitou ele os olhos para uma menina de 9 anos, órfã de pai e de mãe, chamada Maria de Moura, ao cuidado de sua avó, Maria de Vasconcelos, viúva de Manuel Rombo de Carvalho. Era filha do falecido Francisco de Moura Bastos e de uma filha da referida Maria de Vasconcelos. Com aquela idade, não era certamente a beleza o que o seduzia, mas sim os bens da criança, que eram avultados. A avó era totalmente contrária a tal casamento, dizendo que o testamento de seu falecido genro determinara que ela ficaria a seu cargo até aos 12 anos; certamente, também não lhe agradava vê-la casada com um mestiço.
Problema ainda maior era que o Tenente Dom Henrique de Noronha também pretendia a mão da menina. O pequeno círculo dos portugueses de Macau (não mais certamente de umas 3 ou 4 mil pessoas), dividiu-se pelos dois partidos. António de Albuquerque Coelho tinha a seu favor o Bispo, D. João de Casal, tutor da menina, João Garcia Álvarez, alguns padres da Companhia de Jesus e alguns oficiais e marinheiros da fragata; mais tarde também o Governador Diogo de Pinho Teixeira. Por Dom Henrique de Noronha alinhavam o tio dela por afinidade, Francisco Leite Pereira, casado com uma irmã da mãe defunta, Francisco Xavier Doutel casado com Francisca Pereira, irmã do mesmo Francisco e a família da menina, em geral; e ainda o Juiz dos Órfãos, Manuel Vicente Rosa e o ouvidor João Carneiro Zuzarte. Dom Henrique de Noronha vivia em casa de Francisco Leite Pereira.
Valeu-se Albuquerque da protecção do Bispo e conseguiu que a questão do casamento passasse para o foro eclesiástico. Foi assim que pôde tirar a menina de casa dela e colocá-la em casa de pessoa amiga. Na data em que isso aconteceu, em 30 de Junho de 1709, realizou logo os esponsais (promessa de casamento) na Igreja de Santo António. Mas teria ainda de sofrer mais para conseguir realizar o seu intento.
A 2 de Agosto de 1709, quando ia a cavalo, António de Albuquerque Coelho foi alvejado com um tiro de bacamarte disparado por um cafre, que não lhe acertou. Logo a seguir, Dom Henrique de Noronha disparou de uma janela contra ele, ferindo-o num braço; correu ele a recolher-se no Convento de S. Francisco e ainda dispararam contra ele outro tiro que não lhe acertou. Foi curado pelo Cirurgião da fragata que desvalorizou o ferimento. Mas, ao ser visto, passados 16 dias, por um Cirurgião de um navio inglês, este disse que o braço estava gangrenado e tinha de ser cortado. Ainda antes de permitir que se efectuasse a cirurgia, Albuquerque mandou perguntar a Maria de Moura, se aceitaria casar com ele, tendo um braço a menos. A menina mandou-lhe dizer “que ainda que lhe faltassem ambas as pernas, ficando ele com vida, queria casar com ele”. Girava então em Macau uma cantiga que dizia:
“Não é tão, não tão parecida
Maria que pelo seu dinheiro arma tanta briga.”
Para fugir à prisão, Dom Henrique de Noronha refugiou-se em casa do Patriarca de Antioquia, Embaixador Papal, (de que falaremos a seguir), onde gozava de imunidade. Mais tarde, em 18 de Fevereiro de 1711 (já o Patriarca tinha falecido) foi enviado prisioneiro para Goa a bordo do navio Sta. Ana.
O casamento foi celebrado a 22 de Agosto de 1710; assistiu a tripulação da fragata, para protecção, bem necessária, pois Francisco Leite Pereira, pensando que o casamento seria celebrado na Igreja de Santo António, para ali foi esperar o noivo a fim de o matar.
Albuquerque deverá ter abandonado o serviço público naqueles anos, passando a viver dos rendimentos. Foi nomeado Vereador do Leal Senado, presidindo à mesa da Vereação no ano de 1712.
As suas relações com a família da noiva amaciaram um pouco e em 1713, contribuiu com duzentos pardais para o tio mais novo da esposa, Francisco Rombo de Carvalho, que então foi ordenado sacerdote.
De sua mulher teve uma filha em 1712, que morreu ao fim de 7 dias. Em 20 de Julho de 1714, deu ela à luz um filho, que foi baptizado a 27 do mesmo mês; mas logo a 31, faleceu, das sequelas do parto.
Não foi fácil a vida de António de Albuquerque Coelho em Macau; podemos concluir de vários episódios da sua vida, que tinha um feitio bastante conflituoso e que criava inimigos com facilidade.
Entre os seus adversários, merecem realce as relações com Manuel Vicente Rosa. A 22 de Setembro de 1714, escreve uma reclamação contra ele, que então era Ouvidor, em que diz “é seu inimigo declarado já de cinco anos a esta parte” (Paulo Miguel Pinto, Percorrendo o Oriente). Mas quando tinha sido Juiz Ordinário (1712-1713), Albuquerque Coelho tinha mandado prender Vicente Rosa por se ter recusado a pagar certas dívidas de um cunhado que falecera e de cujos filhos era tutor. As dívidas foram depois pagas e Vicente Rosa libertado, mas a raiva mútua aumentou.
Manuel Vicente Rosa e os seus partidários queixavam-se para Goa ao Vice-Rei, D. Vasco Fernandes César de Menezes, que a certa altura as transmitiu para Lisboa (10-1-1715) e mandou que Albuquerque viesse para Goa a fim de se averiguarem as suas culpas. Mas ele não partiu, porque entretanto Manuel Vicente Rosa ordenou a sua prisão. Da cadeia, escreveu a 3 de Outubro de 1714 uma carta ao Senado e dez dias mais tarde, ainda preso, uma outra carta à Câmara da Cidade. Alegava ele que o Juiz Ordinário da cidade não tinha jurisdição sobre os Vereadores do Senado, que cabia à Relação de Goa. A Câmara deu-lhe razão e ele foi solto.
Deverá ter ido para Goa no final de 1714 ou princípio de 1715, depois de vender os seus bens; não levou consigo o seu filho bebé, tendo-o depois o Vice-Rei autorizado a ir buscá-lo
Pouco antes de embarcar para a Metrópole, findo o seu mandado, escreveu o Vice-Rei:”António de Albuquerque Coelho fica já com o seu domicílio nesta cidade e com isso evitadas as perturbações de que se queixavam os moradores de Macau, mas como seja neles natural a sua insociedade, entendo fará pouco efeito a ausência do mesmo António de Albuquerque que, pelo sossego com que vive, me parece eram mais encarecidas as queixas dos macaenses”. (Paulo Miguel Pinto, ob. citada).
Como Vereador do Senado, Albuquerque participou nas decisões colegiais tomadas no seu mandato, parecendo tê-lo feito com competência, embora não conste que tenha realizado actos heróicos.
Um acontecimento de importância foi a questão da compatibilidade de certos ritos chineses com a religião católica, nomeadamente a designação em chinês de Deus, as honras prestadas ao filósofo Confúcio e os ritos com que eram honrados os defuntos. Os Jesuítas começaram por ser muito tolerantes, nomeadamente o Padre Matteo Ricci (1552-1610), mas já outras Ordens, como os Franciscanos e os Dominicanos, eram muito mais rigorosos e reticentes, classificando aqueles ritos como superstições.
A certa altura o Papa Clemente XI decidiu enviar à China como Legado a latere um jovem Fidalgo, Charles-Thomas Maillard De Tournon (1668-1710), que nomeou Patriarca de Antioquia e depois promoveu a Cardeal. Possivelmente de saúde frágil, ao fim de muitos conflitos, o Prelado acabou por falecer em 1710, sem nada ter resolvido. Há muitas dezenas de livros sobre o assunto, alguns dos quais indico na bibliografia, e seria muito longo expor aqui todas as disputas.
Constata-se nesta época que todas as relações da Europa com a China, seja de natureza religiosa (missionários) como comercial, tinham como ponto de passagem obrigatória a cidade de Macau, embora o domínio português fosse, já naquela altura, mais aparente do que real (Ver Domingo F. Navarrete, abaixo indicado, pags. 291 e ss.).
GOVERNADOR DE MACAU
Em Maio de 1717, o Arcebispo Primaz de Goa, D. Sebastião de Andrade Pessanha, substituto legal do Vice-Rei, Vasco Fernandes César de Menezes, que partira para o Reino, nomeou António de Albuquerque Coelho Governador de Macau. Quis este embarcar no único navio que estava para partir; mas o capitão deste era o seu inimigo Francisco Xavier Doutel, que levantou vela e se fez ao mar na noite de 22 de Maio, sem o avisar e em segredo. Sem meio de transporte, decidiu Albuquerque partir a pé com a sua comitiva até à outra costa da Índia, onde pensava encontrar um barco. Na comitiva, o Capitão João Tavares de Velez Guerreiro, que mais tarde descreveu a viagem, o Ajudante Inácio Lobo de Menezes, mais dois portugueses, João Nunes e Pascoal Ribeiro, cinco cafres cativos e dois clarins.
Poupo a descrição da viagem, bem contada com todos os detalhes pelo Capitão, sendo pena só que não haja uma edição recente. Na sua tese, Paulo Miguel Martins faz um bom resumo de 17 páginas no livro tirado da sua tese.
Chegaram a S. Tomé de Meliapor, então ocupada pelos Portugueses a 16 de Julho. Uma velocidade razoável, pois a distância percorrida fora de cerca de 2 600 km. Não conseguindo encontrar um navio que os levasse, Albuquerque tratou de comprar um, iniciando a viagem a 5 de Agosto. Em Malaca, teve o percalço de lhe fugir o piloto, tendo de prosseguir dirigindo ele mesmo o barco. Ao fim de dois meses, arribou a Johor (no sul da Malásia) para invernar. Teve um papel activo na pacificação do Reino, onde pululavam lutas internas. Em Março de 1718, foi-lhe doado um terreno para a construção de uma Igreja; prosseguiu a viagem em 18 de Abril. Todos adoeceram a bordo incluindo o próprio Albuquerque. Muito doente com béri-béri, foi obrigado a desembarcar na ilha de São João (Shangchuan). Fora nesta ilha, hoje distante 270 km. por estrada de Macau, que havia falecido S. Francisco Xavier em 1552. Os chineses trataram-no bem e levaram-no depois num dos seus barcos a Macau, onde chegou a 29 de Maio.
Tomou posse do cargo no dia seguinte, 30 de Maio de 1718. Nessa altura já em Goa se encontrava um novo Vice-Rei, D. Luis de Menezes, 5.º conde da Ericeira e 1.º Marquês do Louriçal (o qual não tinha ainda 30 anos), que lhe escreveu uma carta datada de 6 de Maio confirmando-o no cargo, mas lembrando-lhe também os conflitos do passado e advertindo-o para que não exercesse vinganças sobre Francisco Leite Pereira e Xavier Doutel. Aparentemente, Albuquerque assim fez, pois não há notícia de conflitos nesta altura com estes personagens.
O governo de Albuquerque Coelho decorreu até a contento dos moradores de Macau, mas foi bastante curto, pois terminou a 9 de Setembro de 1719. Foi o caso que o Vice-Rei recebera indicação da Corte de Lisboa para um novo Governador, António da Silva Tello de Menezes. É o que consta de uma carta dirigida pelo Vice-Rei ao Padre João Mourão da Companhia de Jesus em 21 de Abril de 1720. Albuquerque Coelho tinha sido prejudicado por o seu antecessor D. Francisco de Alarcão ter ficado um ano a mais no posto e ainda por ter gasto um outro ano na viagem de Goa para Macau.
Ficou em Macau até 18 de Janeiro de 1720, data em que embarcou para Goa na fragata Nossa Senhora das Brotas, que chegou a Goa a 20 de Maio seguinte.
GOVERNADOR DE TIMOR
Em 1721, nas ilhas de Timor e Solor, reinava a confusão, pois o Governador, Francisco de Melo e Castro deixara que o Bispo de Malaca, D. Frei Manuel de Santo António, praticamente tomasse conta do governo da colónia. O novo Vice-Rei, Francisco José de Sampaio e Castro, decidiu nomear António de Albuquerque Coelho para tomar conta do governo daquele território.
Partiu Albuquerque de Goa num navio seu para Macau, de onde queria levar provisões para Timor. Chegado a Lifau – Timor em 1722, tomou conta da direcção do governo, pondo o Bispo de lado. E, vendo que este continuava a conspirar contra ele, obrigou-o a que se embarcasse para Goa.
Havia rebelião entre os povos de Timor, acicatados pelos holandeses que queriam tomar as ilhas, onde se produzia o sândalo. Revoltaram-se vários reinos. O rei de Luca atacou com a sua gente o capitão-mor Joaquim de Matos, que tinha ido a Cailaco cobrar fintas (impostos). Não houve mortos do lado português, mas os revoltosos assassinaram dois missionários, os padres Manuel Rodrigues e Manuel Vieira.
A situação de revolta prolongou-se por bastante tempo, atribuindo alguns a falta de solução à demasiada aspereza do governador no trato com os naturais.
Em 1725, foi substituído por António Moniz de Macedo e passou novamente por Macau de volta a Goa.
Chegou a Macau a 29 de Setembro de 1725 e a 23 de Novembro mandou celebrar um ofício solene pela alma de sua mulher Maria de Moura, com uma salva na Fortaleza do Monte no fim do ofício, dobrando os sinos de todas as Igrejas. António de Albuquerque Coelho estava sempre atento ao cerimonial.
Mandou então depositar numa urna os ossos de sua mulher e filha, juntamente com o braço que lhe havia sido cortado em 1706. A urna esteve na igreja de S. Francisco até à sua demolição em 1865, data em que passou para a igreja de S. Agostinho, onde foi encaixada na parede da capela-mor, com uma lápide com esta inscrição:
«Nesta urna estão os ossos de D. Maria
de Moura e Vasconcellos e sua filha
D. Ignez, e os do braço direito de seu
marido Antonio d’Albuquerque Coelho,
que aqui a fez depositar, vindo de Governador
e Capitão Geral das Ilhas de Solôr e
Timôr no anno de 1725»
Ficando alguns meses em Macau, regressou a Goa no início de 1726, ali chegando no mês de Abril. Desembarcado, foi preso, por ter expulso de Timor o Bispo de Malaca. Certamente soube bem defender-se, porque foi depois solto. Em Novembro, apresentou ele ao novo Vice-Rei, Saldanha da Gama, um relatório sobre a sua actuação no governo de Timor, que se encontra publicado.
GOVERNADOR DE PATE
A ilha de Pate, Patte ou Paté (por vezes, também Patta), fica situada a norte de Mombaça na costa oriental de África e faz hoje parte do Quénia. Tinha três povoações: Pate, Faza (ou Ampaza) e Sio (ou Siyu). A ilha, juntamente com Mombaça, tinha sido portuguesa até 1698, data em que os árabes de Oman se apoderaram daqueles territórios.
Os Vice-Reis em Goa tinha grande esperança na reconquista daqueles territórios e em 1727 surgiu a ocasião propícia quando se levantaram grandes divergências entre os potentados árabes que mandavam na zona. Em 1727, o Sultão de Pate enviou uma embaixada a Goa, pedindo a protecção dos portugueses; o facto ficou assinalado com um Tratado (Biker, VI, pag. 32) . Para ali partiu uma armada de seis navios na véspera de Natal de 1727, comandada pelo General Luis de Melo de Sampaio. Em Pate, encontraram as populações divididas, uns a favor dos árabes, outros dos Portugueses. Também Mombaça se rendeu em 15 de Março de 1728. Com o Rei de Pate, foi celebrado em 24 de Agosto um extenso Tratado de paz, amizade e aliança, onde ele permitia a construção de uma Fortaleza guarnecida com 150 homens portugueses (Biker, VI, pag. 55).
Para a ocupação de Pate e construção da Fortaleza, nomeou o Vice-Rei, António de Albuquerque Coelho como Capitão-Geral. Em 6 de Janeiro de 1729 este partiu de Goa, chegando à barra de Pate em 3 de Fevereiro, desembarcando a 9, com pompa militar. Levava 141 soldados, 104 brancos e 37 indígenas.
Entretanto, para Mombaça, tinha sido nomeado Álvaro Caetano de Melo e Castro, com quem Albuquerque Coelho tinha más relações, mas sem culpa, pois afigura-se-nos que Álvaro Caetano tinha mesmo mau carácter.
Cresceu o desentendimento entre os dois. Álvaro Caetano recusou-se a fornecer mantimentos a Pate, que deles carecia. Proibiu mesmo os navios de Pate de tocar os portos da sua jurisdição. Iniciaram-se as obras da fortaleza, mas havia falta de mão de obra. Os soldados começaram a adoecer, também devido à má alimentação, por falta de mantimentos.
Logicamente, Coelho teria muita dificuldade em ir socorrer Mombaça, pondo-se às ordens do Capitão Geral Álvaro Caetano, seu rival. Decidiu então, com o apoio da maioria dos seus oficiais, regressar a Goa, possivelmente esperançado em que o Vice-Rei lhe desse o comando de uma armada para ir socorrer Mombaça. Embarcou em 9 de Agosto e chegou a 2 de Setembro à barra de Goa.
As coisas correram mal a Coelho, pois o Vice-Rei D. João Saldanha da Gama mandou-o prender e condenou-o. Apelou da sentença e foi absolvido. O Vice-Rei queixou-se a D. João V em 16 de Janeiro de 1731, mas o Conselho Ultramarino não lhe deu razão, por decisão de 4 de Abril de 1732. Ainda houve nova investigação, até que o Conselho Ultramarino em 14 de Fevereiro de 1734 decidiu de modo definitivo sobre a actuação de Albuquerque Coelho em Pate, que “lhe não resultou culpa alguma e assim não se lhe podia considerar culpa alguma na deserção da fortaleza de Pate” (Paulo Miguel Martins, ob. citada).
Entretanto em Mombaça, o Forte Jesus perdeu-se em Outubro de 1729, quando Álvaro Caetano de Melo e Castro se rendeu e se refugiou em Moçambique. Em 23 de Janeiro de 1730, organizou-se nova armada de cinco navios sob o comando de Luis Melo de Sampaio, que, sem tentar o desembarque em Mombaça, seguiu para Moçambique. Regressando à Índia, encontrou uma forte tempestade que afundou vários navios, com 557 homens a bordo, que pereceram juntamente com o próprio comandante da expedição.
Mombaça e Pate nunca mais foram colónias portuguesas.
ÚLTIMOS ANOS
Uma informação do Vice-Rei D. Pedro de Mascarenhas, Conde de Sandomil, em 23 de Janeiro de 1735, resume bem a vida de Albuquerque Coelho na Índia (mas ele estava lá há 35 anos, não 32):
Veyo do Reyno ha trinta e dous annos, occupou os postos de Tenente de mar e guerra, Capitão de Infantaria do Terço deste Estado, Governador, e Cappitão General da Cidade de Macáo, e Governador das Ilhas de Solor, e Timor, e Governador, e Cappitão General do Reino de Patte; tem grande capacidade, e muyto bom juizo e de excellente modo com as gentes. Nos Governos de Macáo, e Timor me consta pelas informaçoens que tenho que procedeo com disctinção c acerto, e no Governo de Patte não creyo que obrou mal, pois V. Magestade sendo-lhe prezentes as Devaças que contra elle se tirarão, o deu por livre por carta sua expedida este anno pelo Conselho Ultramarino; tenho-o por capaz de todos os empregos, e particularmente para o de Macáo, que hoje necessita mais de industria, e capacidade, do que das mais circumstancias, que nelle não faltão.
(Bosquejo……, pág. 28-29).
Não há muitas informações sobre os últimos anos da vida dele em Goa. Sabe-se que foi Vereador da Câmara e Procurador do Senado de Macau em Goa. Era membro activo da Santa Casa da Misericórdia de Goa, de que também foi Provedor.
Seu filho deverá ter falecido no final do decénio iniciado em 1730, não se sabe onde e como. Antes de ele falecer, conseguiu ainda que D. João V concedesse ao rapaz o Alvará de Fidalgo Cavaleiro, em 7 de Abril de 1737 – R.G.M. de D. João V, liv. 28, fls. 369 v.
Em 1742, foi nomeado Capitão-Geral da Província de Bardez. Deixou o posto no decorrer de 1744. Pobre e desprovido, recolheu-se ao Convento dos Franciscanos da Província da Madre de Deus, onde terá falecido.
Edições da Jornada
Jornada que o senhor Antonio de Albuquerque Coelho governador e capitam geral da Cidade do Nome de Deos de Macao na China, fes de Goa athe chegar a ditta cidade, pelo capitam Joam Tavares de Velles Guerreyro.
Macau s.n.,1718, 185 pags.
Não tem nome de Impressor, nem ano de edição; foi porém impressa depois de 1718, como se colige da mesma obra; é em papel Chinês, e em folhas dobradas, segundo o uso das Impressões da China.
(Notícia bibliográfica em Memórias de Literatura Portuguesa da Academia Real das Ciências, Vol. VIII, parte I, 1812. Pag. 144)
B.N.P. - Microfilme F 5376
Jornada, que Antonio de Albuquerque Coelho, Governador e Capitão General da Cidade do Nome de Deos de Macao na China, fez de Goa até chegar à dita cidade no anno de 1718 : dividida em duas partes / escrita pelo Capitão João Tavares de Vellez Guerreiro...
Lisboa Occidental na Officina da Musica, 1732
427 pags.
Online: http://purl.pt/12034
Jornada de Antonio de Albuquerque Coelho, por João Tavares de Vellez Guerreiro, com uma carta-prefácio de J. F. Marques Pereira, Lisboa, Escriptorio, 1905.
Online: www.archive.org
TEXTOS CONSULTADOS
Paulo Miguel Andrade da Cruz Martins, António de Albuquerque Coelho (1682-1746) [ Texto policopiado] : contributos para a sua biografia / Bib. Nacional, 1997
Paulo Miguel Martins, Percorrendo o Oriente: a vida de António Albuquerque Coelho (1682-1745), Livros Horizonte, Lisboa, 1998, ISBN 972-24-1046-6.
Justus Strandes, The portuguese period in East Africa, translated from the German "Die Portugiesenzeit von Deutsch- und Englisch-Ostafrika, 1899" by Jean F. Wallwork, edited, with topographical notes by J. S. Kirkman, Nairobi. East African Literature Bureau, 1961
C.R. Boxer e Carlos de Azevedo, Fort Jesus and the Portuguese in Mombasa 1593-1729, London, Hollio & Carter, 1960
Online: www.archive.org
C.R. Boxer, António de Albuquerque Coelho, esboço biográfico, 1939, Macau: Tip. da Imaculada Conceição, 57 pags.
Frazão de Vasconcelos, António de Albuquerque Coelho - notas genealogico-biograficas, Lisboa, na revista “Arqueologia e História”, 1.º vol, 1922, pags. 95-118
Padre Manuel Teixeira, Macau no Sec. XVIII, Imprensa Nacional de Macau, Maio de 1984
Padre Manuel Teixeira, Padres da Diocese de Macau, in "Macau e a sua diocese" Vol. VII, Escola Tipográfica Salesiana, Macau, 1967
Padre Manuel Teixeira, Macau e a sua diocese
Online: http://www.library.gov.mo/macreturn/DATA/PP271/index.htm
A. F. Marques Pereira, Efemérides Comemorativas da História de Macau e das relações da China com os povos cristãos
Online: http://www.library.gov.mo/macreturn/DATA/PP186/index.htm
A. F. Marques Pereira, Consul Português em Sião, De Goa a Macau em 1717: um livro curioso, in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série n.º 2, n.º 1, 1880, pags. 32-34.
Renato Pires - Centro de História de Além-Mar – Universidade Nova de Lisboa, António Albuquerque Coelho de Carvalho – Um governador num espaço atlântico
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Joaquim Pedro Celestino Soares, Bosquejo das possessões portuguezas no Oriente ou resumo de algumas derrotas da India e da China, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851-1853, Existem o 1.º e 3.º volumes.
Online: http://www.archive.org/
Narrative of Voyages to explore the shores of Africa, Arabia and Madagascar, performed in H.M. Ships Leven and Barracouta, under the direction of the Captain W.F.W. Owen, by command of the Lords Commissioners of the Admiralty, New Burlington Street, 1833. 2 volumes.
Online: http://books.google.com
Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara (Red.), O chronista de Tissuary -periódico mensal, Nova Goa, Imprensa Nacional, 1866 – 1869. 2 volumes
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Os portuguezes em Africa, Asia, America e Occeania, 7 vols., Lisboa, Typ. de Borges,1848-1850.
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Afonso de Castro, As possessões Portuguesas na Oceânia, Imprensa Nacional, 1867
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João Feliciano Marques Pereira, Ta-ssi-Yang-Kuo, Archivos e annaes do Extremo Oriente Portuguez, José Bastos, Lisboa, 1899
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Vida de António de Albuquerque Coelho
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http://en.wikipedia.org/wiki/Charles-Thomas_Maillard_De_Tournon
Domingo Fernandez Navarrete, An account of the empire historical, political moral and religious. A short description of that empire, and notable examples of its emperors and ministers. Also, an ample relation of many remarkable passages, and things worth observing in other voyages. There are added, the decrees of popes, and propositions defined at Rome for the mission of China; and a bull of Clement X., in favour of the missioners. Written in Spanish, : London, H. Lintot, J. Osborn, 1704
Online : www.archive.org
Júlio Firmino Júdice Biker, Colecção de Tratados e Concertos de Pazes que o Estado da Índia Portuguesa fez com os Reis e Senhores com quem teve relações nas partes da Ásia e África Oriental desde o princípio da conquista até ao fim do século XVIII. Tomo VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1885.
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Online: http://books.google.pt
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27-8-1866 – Pag. 141 – 23-8-1708 – chegada da fragata N.ª S.ª das Neves
10-9-1866 – Pag. 150 – 9-9-1719 – Entrega o Governo ao seu sucessor
21-1-1867 – Pag. 14 – 246 - 18-1-1720 – Parte para Goa
4-3-1867 – Pag. 48 – 281 – 1-3-1719 – Carta ao Imperador da China
11-3-1867 – Pag. 53 e 54 – 286 e 287 – 7-3-1718 – Tratado celebrado na viagem
3-6-1867 – Pag. 128 – 361 - 20-5-1718 – Toma posse do Governo de Macau
1-7-1867 – Pag. 152 – 385 - 26-7-1718 – Chega Xavier Doutel que se esconde com medo.
30-9-1867 – Pag. 234 – 467 - 29-9-1725 – Desembarca em Macau, vindo de Timor
23-12-1867 – Pag. 286 – 519 - 21-12-1721: Passa por Macau, nomeado para Timor para onde parte nesse dia.